Dançar e surfar na Bahia

Tem poucas coisas mais imersivas do que pegar onda

Alessandra Nahra
diário da viagem pra dentro

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Eu sempre gostei de experiências imersivas. Principalmente para aprender coisas. Cursos, vivências, retiros, residências. Tu tá lá dentro vivendo aquilo. Viagens também são experiência imersivas, e pra mim viagens têm o mesmo efeito de um doutorado de vários anos. Aprender línguas, por exemplo. Fiz aaaanos de curso de inglês, mas só fui aprender mesmo quando morei nos EUA.

Agora eu tô em Salvador. Não dá pra dizer que é exatamente uma viagem, porque é por vários meses e é rotina de vida normal: trabalho, esporte, cuidar dos bichos, limpar a casa, etc. Mas é também uma imersão. Em uma outra cultura, outro estado, outro clima, outro sotaque, outros hábitos e costumes. E aqui eu tô aproveitando pra me aperfeiçoar em duas das minhas "artes": forró e bodyboard.

Eu resolvi entrar numa escolinha de bodyboard. Porque é difícil chegar sozinha pra surfar num lugar desconhecido. Tudo que eu sei em Santa Catarina — vento, ondulação, onde tem onda dependendo dessas duas coisas — eu não sei aqui. Não sabia nem quais praias eram surfáveis. Então resolvi entrar nos treinos da escola do Uri Valadão e da Juliana Dourado, ambos maravilhosos campeões. Além de surfar com companhia e não ter que ficar adivinhando onde tem onda, estou treinando manobras de maneira intensiva. Tô caindo na água com muito mais frequência e consistência do que estava em SC e, com o direcionamentos dos professores, com um objetivo: acertar 360s e rollos. Principalmente rollos, que é uma novidade no meu "case" de manobras. Eu sempre fui boa de 360, mas nunca tinha acertado um rollo até maio passado. E ainda tô inconsistente. Tem dias que eu acerto até três, daí passam dias sem que eu acerte nenhum. Quando acerto é por sorte, e não por técnica. Ainda não dominei a técnica.

Boa parte dos meus colegas na escolinha são pessoas ao redor de 40 que pegavam onda quando eram jovens. Médicos, advogados, vendedores. Gente que já tá com a vida ganha, ou no caminho, e agora resolveu retomar o esporte que praticava. Teve gente lá da minha juventude que nunca parou de surfar. Alguns seguiram carreiras ligadas ao surf, seguiram no mundo das competições, organizaram sua vida para poder continuar surfando. Outros, a maioria, eu acho, deixaram de pegar onda quando as demandas da vida adulta bateram na porta. Faculdade, trabalho, família. Surfar exige tempo e disponibilidade. Eu deixei de surfar porque fui fazer outra coisa. Bem do meu jeitinho multi-interesses. Mudei de Florianópolis para Porto Alegre para fazer faculdade e virei cosplay de punk nas noites da Oswaldo Aranha. Da água pro vinho. Depois fui morar em São Paulo pra trabalhar e etc. Casei, descasei, contruí casa, morei no Hawaii, em São Paulo de novo e de novo. Pegava onda de vez em quando. Quando ia pra Guarda no final do ano. No Hawaii achava difícil surfar aquelas bancadas de coral, uma vez quase me ralei numa delas, aquela onda rápida demais. Simplesmente não era minha prioridade. Eu preferia correr, mergulhar, nadar com as tartarugas. Agora acho isso peculiar. Morar no Hawaii e não surfar. Agora, que estou encarnadinha como nunca fui antes.

Fico pensando se eu não tivesse parado de surfar lá na juventude. Um dos motivos que me levou a parar (além de ter ido fazer outra coisa completamente diferente, em uma cidade que não tem mar, como descrito no parágrafo anterior) foi que me cansei de competir. Eu detestava ter que cair na água em qualquer condição: dia nublado, ondas mexidas, mar grande. E eu tinha que cair porque era campeonato. Eu tinha medo de mar grande. Eu acho que tinha medo também de perder. Nos últimos anos falei em várias ocasiões que não tem uma célula em mim que seja competitiva. Mas recentemente tô caindo na real. Quem que eu quero enganar, né. A verdade é que eu gosto de ganhar. Então era mais fácil desistir. Do que ter que me esforçar pra ganhar. E ainda assim correr o risco de perder. Sei lá, acho que é por aí.

Mas bem. Fato é que agora eu sou a mais encarnadinha no surf. É como se fosse meu principal objetivo na vida. Na casa dos 50, eu quero ser uma bodyboarder BEM melhor do que eu era aos 17. Eu não acho isso muito impossível, porque, apesar de aos 17 eu estar no auge da disposição e condicionamento, eu não era uma bodyboarder assim tão boa. Eu levava jeito, mas não tinha técnica e não me esforçava muito. Nem minha remada e joelhinho eram bons. Hoje eu vejo isso. E tento consertar vícios como largar a prancha pra furar a onda ao invés de dar joelhinho. E usar o cotovelo para empurrar a prancha pra baixo no joelhinho (é péssimo. Porque a prancha não entra o suficiente).

E, assim como eu, na escolinha de Uri e Juliana tenho uns colegas 40+ igualmente encarnadinhos. A gente acorda as 4 da madrugada, cai na água às 5:30, fica duas, três horas surfando. Daí sai da água e vai trabalhar. Alguns deles vão direto. Esses dias vi uma colega esperando o Uber depois do treino. Ela estava irreconhecível. Era outra pessoa: uma advogada vestida para o escritório, toda arrumada. Tomou banho ali na ducha ao ar livre da praia. Se for como eu, só passou uma água no cabelo. Deixa o xampu pra mais tarde (ou outro dia, no meu caso. Xampu pra mim só uma vez por semana, porque meu cabelo fica mais bonito só com água. E o mar limpa). Pra mim é mais fácil, trabalho em casa, não preciso ficar toda arrumada.

Às vezes eu fico bem exausta. Essa semana surfei três dias seguidos. Hoje estou cheia de dor nos músculos, de puro uso. ADORO :) Mas preciso ficar me lembrando que não tenho mais 18 anos. Que preciso descansar. Que tudo bem ficar sem fazer nenhum esporte/exercício um ou dois dias na semana (geralmente, nos dias em que não pego onda eu corro. E no sábado eu faço aula de forró). E não posso deixar de pensar que tudo isso é uma reação ao envelhecimento. É como um bebê que reluta para dormir, esperneia, chora. Eu sou uma pessoa envelhecendo, mas não sem put up a fight, que nem dizem em inglês. Velha sim, sarada certamente.

Ou seja, é tudo uma bobagem.

Mas já que é pra estar aqui, vou brincar enquanto posso.

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Alessandra Nahra
diário da viagem pra dentro

Escrevo, planto, estudo, viajo. Falo com bichos, abraço árvores, e vice-versa.